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Nota 19

 

Gostaria de propor aqui uma breve conversa com a noção de Profanação (no sentido de um devir do trabalho e não de um lugar alcançado), que atualiza nosso entendimento da atuação do mito como Grotowski defende, no sentido da desestruturação dos tabus erigidos socialmente. Giorgio Agamben, no capítulo “O elogio da profanação” do livro Profanações (2007), entende o significado da palavra profanação como oposição complexa a sacralização. O autor recorre ao direito romano e esclarece que sacralização significa separar, retirar algo do uso comum e levá-lo para uma esfera específica. Coisas sagradas “eram subtraídas ao livre uso e ao comércio dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas como fiança, nem cedidas em uso fruto ou gravadas de servidão” (AGAMBEN, 2007, p. 65). Profanação é o movimento contrário que restitui ao uso comum o que foi separado, o que foi retirado da esfera pública. Se Agamben está norteado pela utilização dos termos  profanação e sacralização a partir do direito romano, podemos pensar, portanto, que existe um esforço do autor em tentar mostrar que tais conceitos participam de uma tendência predominante de regulamentação e racionalização da vida moderna. Neste mesmo sentido, trabalha com a noção de dispositivos, ou seja, de mecanismos que funcionam como elementos de normatização, baseados na separação (sacralização) do homem de sua própria autonomia. O homem estaria, por meio dos mecanismos forjados na esfera social, cada vez mais apartado de sua própria vida, alienado dos processos de significação dos próprios meios que produz. A tarefa política da profanação seria a de profanar o que foi determinado como legal (improfanável), quer dizer, desativar os mecanismos que detêm as coisas no âmbito do sagrado, do intocável, daquilo que não pode sofrer a ação transformadora da história.

 

Na estética de Grotowski o dispositivo profanatório (que para ele é o blasfemo) pode ser entendido como a “dialética do escárnio e da apoteose” que procura destilar o mito por meio da contradição, da colisão: “impunha-se uma revisão racional do problema do mito” (GROTOWSKI, 1971, p. 8).

 

 

 

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