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revista ensaian.2_junho2016LABORATÓRIO

Como construir um modelo vivo

Luiza Leite & Tatiana Podlubny

 “Um livro é uma sequência de espaços”, diz Ulises Carrión. Para o artista, escritores escrevem textos em vez de livros. Criar um livro é um modo de experimentar suas qualidades táteis [formato, peso, espacialidade]. Páginas não são apenas receptáculos de palavras. Este processo de criação de um livro começa com a materialidade de alguns elementos postos em relação em um ambiente entendido como página-planície: o corpo no espaço, mais de um corpo no espaço, coisas inertes que viram coisas vivas, coisas vivas transformadas, mesmo que provisoriamente, em coisas inertes. As imagens e as palavras nascem do movimento desses corpos-coisas-cavalos.

 

 

Como construir um modelo vivo

 

A.

Comece pela cabeça. Amasse o papel que veio da gráfica embalando livros para esculpi-la. Nem toda pele respira. Nem toda substância é forte o suficiente para sustentar um corpo grandiloquente. Talvez seja impossível planejar ou prever o destino do bicho, pelo menos não com alguma antecedência. 

 

B.

Se quisermos que ele sobreviva, temos que pensar nos barulhos que o bicho precisará discernir, se é uma manada ou um afago que chega pelas costas, se a sede, a fome, a raiva podem empurrá-lo para a ação. Talvez o bicho não tenha necessariamente que saber a diferença entre a crueldade e a violência. Faça um corte nas laterais da parte superior da cabeça. Cuidado para não exagerar na largura. Se as orelhas escorregarem para dentro da cabeça, tudo ficará silencioso de repente. O cavalo não vai conseguir ouvir o seu próprio relinchar. Não saberá que as baleias cantam como os pássaros.

C.

Encaixe a cabeça no encosto da cadeira de madeira. Proteja os ligamentos. Use fita adesiva transparente. A cabeça parece equina. Mas sua sombra deixa dúvidas. Não faltam quadrúpedes na terra. Da cabeça ao rabo o ângulo é reto. Não há corpo quente para apalpar. Falta uma superfície lustrosa, a pele suada. O bicho tem quatro patas. A cadeira tem quatro patas. A cadeira agora acha que é um cavalo. Aí começam os problemas. Há uma estranha sobreposição. Cavalo e cadeira disputam as quatro pernas. A cadeira reclama: “Essa cabeça pesa!”. O cavalo grita: “As pernas são muito curtas!”. Apaziguamos os ânimos, instalando a cadeira em cima da mesa. Agora o bicho tem oito patas. Daqui a pouco comerá capim da cabeça de alguém. Terá um contorno maior do que o seu corpo reto. Mastigará os cânones enfaticamente [o método, o procedimento, a origem] até perceber que há uma série interminável de tartarugas segurando o mundo nas costas. 

Luiza Leite mestre em antropologia social (PPGAS/Museu Nacional) e doutora em literatura comparada (UERJ). Publicou Rasuras N’água (Azougue, 2003) e organizou, com Tatiana Altberg, o livro Cada dia meu pensamento é diferente (Nau, 2012), fruto de um processo coletivo de criação com adolescentes do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Atualmente  é coeditora do

do selo independente Fada inflada e faz pós-doutorado no Programa de Pós-graduação Artes da Cena [Eco-UFRJ], onde realiza pesquisa sobre a relação entre a performance e as publicações de artista. 

Tatiana Podlubny é designer e artista gráfica, formada em design pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Investiga a relação entre texto e imagem, trabalhando com design editorial e na produção de livros ilustrados. Publicou Anotações noturnas (Publicações Iara, 2012), que integra o acervo da Biblioteca de Livros de Artista da UFMG. É coeditora do selo independente Fada inflada

Fada Inflada é um selo editorial independente criado por Luiza Leite e Tatiana Podlubny, em 2007, a partir do lançamento de uma publicação independente homônima, que deu nome à dupla. O selo atua no âmbito de experimentações na interface do livro-objeto, livro ilustrado e livro de artista, e se interessa especialmente pela relação entre a imagem e o texto e suas múltiplas possibilidades. Junto a outros artistas, Luiza e Tatiana organizaram a Pororoca, uma ocupação-camelô-exposição-temporária na feira da Praça XV e em outros locais do Rio de Janeiro. No próximo mês, em julho, a Pororoca fará sua primeira edição em Lisboa. Desde 2013, participam de diversas feiras de publicações independentes e arte 

impressa, tais como Tijuana (SP), Miolos (SP), Pão de Forma (RJ), Feira Avessa (SP), Fio Dental (RJ), Cápsula Gráfica (RJ) e Pavão-Esdi (RJ). A Fada inflada já publicou: A fada inflada (edição de autor, 2007, reedição 7Letras e Fada inflada, 2015), Azulzim (7Letras e Fada inflada, 2011), Desenho Cego, (publicado na Revista Carbono, 2013 e lançado pela Fada inflada, 2014), Perímetro, Uns Dias e Coisa (Fada inflada, 2014), O silêncio do menino (Dulcinéia Catadora e Fada inflada, 2015), Cavalo imóvel (Zazie edições, 2015), 288 Domínios de Eduardo Cunha, Dilemas, Cidade Caderno, de Dyonne Boy (Fada inflada, 2015) e Como você me chama? (Fada inflada, 2016). Algumas de suas publicações estão presentes no acervo do Projecto Múltiplo e da biblioteca Mário de Andrade, ambos em São Paulo. Atualmente, Luiza e Tatiana trabalham para concluir o site do selo, que em breve poderá ser acessado aqui: www.fadainflada.com.br 

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